Matemática e literatura

De 13 a 16 de julho, ocorreu em São Paulo o XII Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM) organizado pela Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) em parceria com a Universidade Cruzeiro do Sul. O tema do encontro era A Educação Matemática na contemporaneidade: desafios e possibilidades e foram discutidas as novas temáticas e tendências que perpassam a Educação Matemática no campo profissional e de pesquisa.

Excelente oportunidade para encontrar figuras importantes no campo da Educação Matemática como o simpático Ubiratan D’Ambrosio, professor emérito da Unicamp, e Nilson José Machado, professor da Faculdade de Educação da USP, e para conhecer o trabalho de outros educadores e pesquisadores de todo o Brasil. Foi com esse intuito que me inscrevi no minicurso Matemática, Literatura e contemporaneidade: desafios e possibilidades de uma prática interdisciplinar, ministrado pelo professor Severino Barros de Melo da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

O professor Severino iniciou o minicurso apresentando um marco teórico que propõe a Literatura como caminho lúdico e desafiador para o estudante entrar em contato com a Matemática. Em seguida, organizou as obras literárias em quatro grupos:

  1. Obras sobre Matemática em estilo de romance ou aventura
    As obras deste grupo apresentam uma narrativa de ficção para explorar conceitos matemáticos ou aspectos da História de Matemática. Por exemplo, o clássico O homem que calculava, de Malba Tahan; Tio Petros e conjectura de Goldbach, de Apostolos Doxiadis; 20.000 léguas matemáticas, de Alexander Keewatin Dewdney; O diabo dos números, de Hans Magnus Enzensberger; O teorema do papagaio, de Denis Guedj e Aritmética da Emília, de Monteiro Lobato.
  2. Obras de Literatura concebidas com estruturas matemáticas
    Neste grupo, os autores utilizam estruturas e conceitos matemáticos para organizar suas ideias e o desenvolvimento da narrativa de ficção. D’Amore (1995), por exemplo, identifica em A divina comédia, de Dante Alighieri, estruturas da Aritmética, Probabilidade, Lógica e Geometria. Zapico (2006) identifica na obra de Jorge Luiz Borges a presença de categorias matemáticas na sua estrutura narrativa ou poética. Leite Filho (1985), ao estudar a poesia popular oral do Nordeste do Brasil, apresenta as modalidades de improvisos recitados e improvisos cantados, destacando a presença da Matemática na definição dos diversos estilos.
  3. Obras de Matemática com características literárias
    Neste grupo, estão as obras de Matemática que não se caracterizam como obras de ficção, apesar de apresentarem características textuais literárias. Descotes (2001), revisitando os livros escritos por Blaise Pascal, como Littérature et Géométrie, encontra elementos como retórica, aspectos dramáticos etc.
  4. Produção literária envolvendo Matemática
    Neste último grupo, a Matemática aparece como um elemento que desperta o sentimento de amor, ódio ou indiferença no narrador. Ela surge como personagem. É o caso de poemas e crônicas que retratam observações cotidianas ou experiências pessoais.

    Há, ainda, obras que se encaixam tanto no primeiro quanto no segundo grupo. Teixeira (2007), estudando Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, percebe que a Matemática é abordada por Carroll de forma romanceada e que a narrativa segue uma estrutura da Lógica. O mesmo acontece em O Código Da Vinci, de Dan Brown.

O minicurso prosseguiu com foco no último grupo. Foram feitas a leitura de poemas e crônicas selecionadas (ver tabela abaixo), a identificação dos aspectos matemáticos presentes em cada texto e considerações sobre desafios e possibilidades do trabalho em sala de aula.

tabela matematica e licenciatura

Fonte: Severino Barros de Melo

Ao final do minicurso, produzimos um quadro descrevendo, para cada leitura, os aspectos matemáticos identificados, as possibilidades para uma prática interdisciplinar em sala de aula e as possíveis limitações do trabalho.

Por meio da reflexão e troca de experiências, foi possível estabelecer uma relação próxima entre a Matemática e a Literatura. Essa proximidade se mostrou como um caminho oportuno para o ensino da Matemática, podendo contribuir para melhorias no desempenho em Matemática e Leitura dos nossos estudantes nas avaliações nacionais e internacionais como no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA).

Espero que as ideias compartilhadas aqui sirvam de inspiração para professores de Matemática buscarem na Literatura recursos para suas aulas, despertando o interesse dos alunos pelo vasto mundo da Literatura. E, por que não, que o caminho inverso também seja percorrido pelos professores de Língua Portuguesa.

►Para saber mais:

Referências bibliográficas:

  • D’AMORE, Bruno. “Alcuni aspetti della Matemática nella Divina Commedia”. In: ________________ (ORG.). La matemática e la sua storia. Milano: Franco Angeli, 1995. p.125-147.
  • DESCOTES, Dominique. Blaise Pascal littérature et géométrie. Clermont-Ferrand: Université Blaise Pascal, 2001.
  • LEITE FILHO, Aleixo. Cartilha do cantador. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1985.
  • TEIXEIRA, Rafael Montoito. Uma visita ao universo matemático de Lewis Carroll e um (re)encontro com sua lógica do nonsense. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós – Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2007.
  • ZAPICO, Irene (ORG.). Matemática en su salsa: historia, arte e juegos. Buenos Aires: Lugar Editorial, 2006.

Acesso em 26 de Fevereiro de 2019

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